O tema 977 da repercussão geral ainda não tem previsão de ser julgado, mas no processo a Procuradoria Geral da República já se manifestou. Atentem-se, pois a Procuradora Raquel Elias Ferreira Dodge propôs a fixação da seguinte tese:
É lícita a prova produzida durante o inquérito policial relativa ao acesso, sem autorização judicial, a registros, fotos, vídeos e demais informações contidos em aparelho de telefone celular, relacionados à conduta delitiva.
Em seu parecer alega que não se discute acerca da proteção que as comunicações telefônicas recebem, para ela a controvérsia reside precisamente no acesso a dados telefônicos, que não se confundem com a conversação em si.
Fez menção ao HC 91.867/PA julgado pelo STF em que o Min. Relator Gilmar Mendes decidiu que
não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação ‘de dados’ e não os ‘dados’.
Por fim, relata que diante de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, por parte dos órgãos estatais, a adoção de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas.
Ou seja, para a procuradora a polícia, a “nossa” polícia que é extremamente violenta, que possui interesse e que privilegia a perseguição aos pobres (BACILA, 2005. p. 116), que reiteradamente é denunciada devido à violência generalizada e aos abusos cometidos ganhará carta branca para que mais abusos ocorram tudo em nome do “interesse público”.
Esse processo penal que almeja a procuradora que busca cada vez mais dar celeridade à obtenção de provas sem se importar com o alto grau de violação a privacidade e intimidade se aproxima de um processo penal simbólico, útil, apenas, para tranquilizar o clamor público no combate à criminalidade.
Ocorre que as intervenções estatais na esfera privada dos cidadãos devem ser admissíveis unicamente quando imposto pela lei que obedeça a ordem constitucional (FURTADO MENDES, 2020. p. 34-35). Tendo em vista a variedade de funcionalidades que o aparelho celular oferece, os limites estatais na obtenção dessas informações não podem ser protegidos unicamente pela lei 9.296/96, sob o argumento de que tal lei não contempla a proteção de dados digitais (EILBERG; GLOECKNER, 2019).
Os argumentos da Procuradora não conseguem dar conta da complexidade dos direitos de personalidade envolvendo os dispositivos multifuncionais (EILBERG; GLOECKNER, 2019).
Uma pesquisa de informações digitais em um telefone celular implica interesses de privacidade individuais substancialmente maiores do que uma breve pesquisa física, portanto merecem maior proteção.
Hodiernamente, autorizar a violação de dispositivos informáticos representa uma violação muito maior na privacidade do que na busca e apreensão no domicílio, pois nem no domicílio se poderia encontrar tanta informação (EILBERG; GLOECKNER, 2019).
Dessa forma, por imposição lógica em respeito à Constituição Federal deve o Supremo Tribunal Federal pacificar o entendimento quanto a imposição de autorização judicial específica para acessar o aparelho telefônico, e quanto ao legislativo, deve incluir no cap. XI do Código de Processo Penal e regular, urgentemente, a busca e a apreensão em dispositivos informáticos levando em consideração o alto grau de violação que o acesso a esses dados podem causar na vida privada da pessoa.
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