Quando o CNJ editou, em 19/3/20, a Resolução 313/202, muitos pensaram que todos os prazos estariam suspensos e que só após o fim da quarentena haveria a necessidade de atuação dos juízes e advogados, pelo que os processos estariam praticamente parados.
Aqueles que atuam no foro logo perceberam que isso não corresponde à realidade.
Mas, é certo que existem algumas dúvidas acerca do tema, sendo este o objeto deste breve texto3. Buscamos aqui, além de expor a posição que nos parece a mais correta do ponto de vista técnico, alertar o leitor para que não deixe de atentar para o tema, de modo a evitar a perda de prazos. Ou seja, traremos situações que se vislumbram como potenciais riscos, especialmente em um Judiciário com vários entendimentos que podem ser classificados como de “jurisprudência defensiva”.
1) A profusão de diferentes normas, em diferentes tribunais
Assim, por certo, cada advogado deve verificar, em seu respectivo estado, se houve a suspensão de prazo antes da resolução do CNJ. Em muitos casos, sim; mas não em todo o país.
E, além disso, em cada estado é possível que tenha havido a suspensão distinta em cada um dos ramos do Judiciário. Isso porque TJs, TRFs e TRTs não suspenderam os prazos de maneira uniforme e no mesmo momento.
Aliás, vale destacar que as informações constantes dos respectivos sites gozam de presunção de veracidade e confiabilidade, a teor do artigo 197 do CPC.
2) O 1º dia da suspensão dos prazos pela Resolução CNJ 313
A Resolução CNJ 313/2020 constou do Diário da Justiça no próprio dia de sua assinatura, ou seja, 19/03. Sendo assim, considerando que o Conselho Nacional de Justiça não é um órgão jurisdicional, mas administrativo-correcional, a princípio não se aplicam as regras processuais de inicialmente disponibilização e depois publicação (CPC, arts. 224, § 2º).
Sendo assim, a primeira resposta seria a suspensão dos prazos a partir do próprio dia 19/03. E existem diversas decisões judiciais que aplicam esse entendimento, no sentido de que já a partir de 19/03 os prazos estão suspensos.
Contudo, da própria página do CNJ se colhe que esse Conselho considera que aos seus atos se aplica a Lei 11.419/06. Essa lei, que trata do processo eletrônico, pela primeira vez trouxe a previsão de diário oficial eletrônico e a figura da disponibilização.
Assim, do ponto de vista do próprio CNJ, o 1º dia de suspensão de prazos seria o dia 20/034.
Apenas um dia de prazo pode parecer algo irrelevante neste momento. Mas, por óbvio, quando os prazos não mais estiverem suspensos, isso poderá se apresentar como relevante. Seja por um ou por dez dias, uma peça interposta fora do prazo será intempestiva.
3) Necessidade de comprovação, nos autos, do período de suspensão dos prazos
Em um dos capítulos mais lamentáveis a respeito da chamada “jurisprudência defensiva” (rigor excessivo -e muitas vezes, sem base legal – na análise dos requisitos de admissibilidade dos recursos), o STJ pacificou que não é possível comprovar o feriado local após a interposição do recurso, ainda que o tribunal de origem não tenha reconhecido a intempestividade5. Conferiu-se leitura inflexível ao texto do artigo 1.003, § 6º, do CPC, o que já lá atrás já se apontou com uma possibilidade indesejada6.
Ora, se o STJ assim entende, por cautela, é totalmente recomendável que ao interpor algum recurso após o término da suspensão dos prazos, haja a juntada da resolução CNJ e, eventualmente, do ato normativo do tribunal local, tendo em vista que a mera menção a sua existência também foi considerada insuficiente pelo STJ7.
Do ponto de vista técnico, isso seria algo absolutamente desnecessário, considerando o art. 932, parágrafo único do CPC. Mas, tendo em vista a jurisprudência do STJ, isso evita qualquer surpresa desagradável.
4) Processos urgentes estão tramitando (com prazos para autor e réu)
O art. 4º da Resolução CNJ 313 é expresso ao apontar que causas consideradas urgentes8 não são objeto de suspensão.
Assim, em qualquer demanda que se esteja diante de um “pedido de liminar”, deverá haver a apreciação do Poder Judiciário. E, uma vez deferida a medida, o réu deverá cumpri-la – sob as penas previstas na decisão, especialmente sob pena de multa (art. 231, § 3º, do CPC).
Logo, como se vê, basta que exista uma liminar para que haja tramitação da causa, com providencias a serem eventualmente cumpridas pelo autor e pelo réu.
Basta imaginar que o juiz determine a juntada de um documento para que haja a apreciação da liminar. Se o autor não juntar, a liminar não será apreciada e o processo poderá ser extinto, por inércia do autor.
Ademais, antes de apreciar a liminar, pode o juiz determinar a prévia oitiva do réu, inclusive para que o contraditório seja exercido (por exemplo, nas hipóteses de que trata o art. 9º do CPC e do art. 2º da lei 8.437/1992). Nesse caso, por certo, haverá prazo para o réu (que, se não for observado ao argumento de estar suspenso, sofrerá as consequências decorrentes de seu silêncio, como o aumento das chances da prolação da liminar).
E, uma vez concedida a liminar, é certo que desde logo poderá o réu impugná-la mediante agravo de instrumento.
Mas, entendemos que, do ponto de vista técnico, não haveria qualquer problema caso o réu optasse por agravar APÓS o término da suspensão do prazo. Afinal, a resolução aponta a suspensão dos prazos.
Contudo – considerando o já mencionado momento de jurisprudência defensiva que vivemos – não é de se duvidar caso algum tribunal afirme que, caso não tenha sido interposto o recurso logo após a ciência inequívoca do réu quanto à concessão da liminar, que a matéria estaria preclusa9, ou eventualmente ter-se-ia esvaziado o interesse recursal pelo decurso do tempo (CPC, artigo 995 – principalmente se a suspensão dos prazos vir a ser estendida).
Insista-se: não nos parece o entendimento correto, mas é algo que, infelizmente, é possível que se verifique. Especialmente quando se recorrer em tempo bastante distinta da concessão e eventual cumprimento da medida, tanto pelo argumento de preclusão quando de superveniente falta de interesse recursal.
Nessa situação específica, a parte pode fazer uso do artigo 313, VI, do CPC para suscitar a ocorrência de força maior a suspender o processo e, consequentemente, seus prazos. Seria exatamente sustentar a suspensão do processo pela circunstância de que a pandemia se apresenta como um obstáculo ao andamento do feito10, impedindo, pelas contingências próprias do confinamento (acesso material aos documentos constantes de locais fechados, impossibilidade de reunião presencial ou acesso a testemunhas etc.), a prática de atos processuais significativos. Porém, tal suspensão depende de reconhecimento por decisão judicial, a qual, pela pobreza do artigo 1.015 do CPC, sequer desafiaria recurso imediatamente (a despeito da discussão sobre a natureza desse rol e a taxatividade mitigada já reconhecida pelo STJ).
5) Prazos de prescrição e decadência seguem fluindo
Se algum prazo prescricional (para o ajuizamento de ação indenizatória, p. ex) ou decadencial (para a impetração de MS ou ajuizamento de AR, p. ex) está próximo de se consumar, dúvida não há quanto à conveniência de ajuizamento desde logo da medida judicial – ou, quando possível, apresentação de protesto judicial interruptivo de prescrição11.
A pandemia ou a resolução do CNJ não alteram esse quadro.
Há projeto de lei em tramite na Câmara e já aprovado no Senado para que, durante a pandemia, não haja a fluência de prazos prescricionais e decadenciais. Contudo, ainda que sua tramitação tenha sido rápida no Senado, não se sabe se e quando será aprovado na Câmera e se e quando será sancionado.
Além disso, na versão aprovada no Senado e encaminhada à Câmara, há artigo no sentido de que essa suspensão somente ocorreria a partir da vigência da lei12 – o que, inclusive, é absolutamente lógico sob uma perspectiva de segurança jurídica, protegida pela Constituição (ora, se a prescrição se consumou antes da edição de lei que a altera, não seria possível que a lei retroagisse para afastar uma prescrição já verificada)13.
Conclusão
Considerando os pontos expostos, o profissional deve ter como claro que a afirmação, peremptória, de que não há nenhum prazo fluindo em virtude da Resolução CNJ 313/20 não corresponde à realidade.
Leitura da resolução, cautela e atenção ao histórico jurisprudencial recomendam atenção ao lidar com os prazos.
Saúde a todos e que este período de quarentena logo seja passado – e sem qualquer intempestividade.
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